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A nova geografia do vinho

Espumante inglês? Riesling sueco? Se a temperatura do planeta subir 2 graus, essas são as garrafas com que a humanidade vai brindar a entrada de 2058

Não estranhe se daqui a 50 anos você estourar uma garrafa de surrey – e não de champanhe – para comemorar a chegada do ano novo. Surrey, no sul da Inglaterra, é uma das cidades produtoras de vinhos espumantes que podem desbancar produtores tradicionais (como a região francesa de Champagne) caso a temperatura do globo continue a subir.

Um aumento de 2°C mudará a geografia do vinho no planeta.

Grosso modo, as áreas com potencial para o cultivo de vinhedos de qualidade ocupam uma faixa latitudinal em cada hemisfério. Com a alteração climática, essas faixas tendem a ser deslocadas para mais longe da linha do Equador, favorecendo os países de clima frio.

Como o clima é apenas um dos fatores decisivos para a produção de um vinho de renome (ao lado do solo, da qualidade das parreiras e da tecnologia), há quem acredite, contudo, que as regiões tradicionais como a França não perderão a dianteira – desde que estejam dispostas a usar espécies que se adaptem às novas condições.

 

A nova geografia do vinho

A nova geografia do vinho

 

REGIÕES TRADICIONAIS

 

Argentina e Chile

As regiões mais tradicionais dos dois países – o vale Central do Chile e as terras baixas de Mendoza, no oeste Argentino – devem ser afetadas negativamente pelo aumento de temperatura.

Serra Gaúcha (Brasil)

Apesar da melhoria técnica, o clima e o solo são um entrave para a produção de vinhos de alto padrão, principalmente tintos. O aquecimento pode fazer com que a região se concentre na produção de espumantes.

Champagne (Nordeste da França)

O leve aumento de temperatura está beneficiando os vinhos da região, tornando-os mais “redondos”. Se o calor piorar, as uvas perderão em acidez, parâmetro decisivo na qualidade de um grande espumante.

Borgonha (Leste da França)

Produz os melhores tintos do mundo à base da uva pinot noir. Ocorre que essa é uma das variedades mais vulneráveis a mudanças climáticas. Com o aquecimento, é provável que os produtores tenham de buscar outra uva.

Vale do Reno (Alemanha)

O vale do Reno é hoje conhecido por produzir um dos melhores vinhos brancos do mundo feitos a partir da uva riesling – variedade que se dá muito bem em zonas de clima frio demais para os vinhos tintos.

Califórnia (EUA)

O famoso vale de Napa, que já tem um clima considerado mais quente do que o necessário para produzir vinhos de alta qualidade, pode perder sua supremacia para outras regiões mais frias nos EUA.

Austrália Meridional

Se a temperatura subir mais de 1,5°C até 2040, as uvas da região podem perder até 50% de qualidade para a produção de grandes vinhos. O cultivo de espécies como pinot noir e sauvignon blanc deve se tornar inviável.

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NOVOS VINHEDOS

 

Argentina e Chile

No Chile, a área de Bio-Bio, ao sul de Santiago, pode se tornar uma das regiões produtoras de destaque no país. Em Mendoza, na Argentina, as parreiras devem subir mais em direção aos gelados Andes.

Campanha Gaúcha (Brasil)

A região que faz fronteira com o Uruguai pode se tornar a grande região vinícola do país. Não é à toa que muitos produtores da Serra Gaúcha já estão se estabelecendo nos pampas.

Inglaterra

O aquecimento global pode tornar os ingleses, quem diria, grandes produtores mundiais. As regiões mais beneficiadas estão no sul da Grã-Bretanha, como os condados de Kent e Surrey, que já têm vinhos razoáveis.

Alemanha

Com o aquecimento global, a Alemanha pode concorrer seriamente com os vizinhos franceses como produtora dos grandes vinhos tintos do mundo (hoje, os tintos alemães são poucos e de qualidade sofrível).

Suécia

Praticamente desconhecido como produtor de vinhos (com razão, pois a friaca sueca não é amiga das videiras), o país escandinavo pode passar a produzir vinhos riesling de renome mundial.

Canadá

Mais conhecido por produzir ice wine (um vinho doce, para acompanhar sobremesas), feito a partir de uvas congeladas ainda no pé, o Canadá pode se tornar uma potência vinícola na América do Norte.

Tasmânia (Austrália)

Apesar de produzir vinhos sem fama mundial desde a década de 1970, a Tasmânia, ilha ao sul da Austrália, pode se tornar a principal região produtora do país caso a temperatura siga aumentando.

 

A nova geografia do vinho

A nova geografia do vinho

 

 

Vinhedos de Bordeaux se preparam para os efeitos do aquecimento global

Os donos de vinhedos em Bordeaux se planejam para aumentar o número de cachos de uvas por videiras, atrasar o ciclo vegetativo e introduzir novas variedades para enfrentar o aquecimento global sem perder qualidade nos vinhos.

O calor e a aridez que marcaram a colheita de 2015 e que devem prevalecer nas próximas “não preocupam hoje os viticultores porque as vindimas mais precoces são um fator de qualidade”, explica o presidente do Comitê Interprofissional do Vinho de Bordeaux, Bernand Farges.

Mas no futuro, as variedades de uvas mais precoces, como a merlot tinta, terão dificuldades. A produção do extenso vinhedo de Bordeaux se compõe de cerca de 80% de tintas e 20% de brancas. A variedade merlot é a mais cultivada (50% das videiras), muito mais do que a cabernet sauvignon (23%).

“Em 20 ou 30 anos, a merlot poderia amadurecer em agosto, o que prejudicaria a qualidade dos vinhos”, afirma Kees van Leeuwen, pesquisador e professor da Escola Nacional Superior de Ciências Agrônomas de Bordeaux. Os vinhos poderiam então “carecer de frescor, com uma graduação alcoólica muito alta”, diz.

Para combater esses efeitos é preciso atrasar o ciclo vegetativo da videira merlot, para que amadureça lentamente em meio ao frescor das noites de princípio de outono.

Vinhedos de Bordeaux

Vinhedos de Bordeaux

Aumentar o número de cachos por videira ou proteger as uvas do sol tirando menos folhas da planta são medidas realizáveis a curto prazo para atrasar o ciclo vegetativo.

A médio prazo, a ideia é propor aos viticultores novos porta-enxertos (a parte enterrada do pé, que serve de suporte à haste), mais tardios e resistentes à seca, mas também incentivá-los a aumentar a proporção de videiras tardias entre as que se cultivam em Bordeaux.

O cabernet sauvignon, uma “variedade que responde bem às características da região”, amadurece cada vez melhor em um clima mais quente e “deveria ser plantada cada vez mais”, acredita o especialista.

Van Leeuwen menciona também a variedade “petit verdot“, também tardia e autorizada nas denominações de origem da região vinícola de Bordeaux, mas que tem sido deixada de lado nos últimos 50 anos.

Ambas poderiam ocupar um lugar mais importante nas combinações de diferentes variedades utilizadas para elaborar o vinho.

Mas, a longo prazo, talvez seja necessário ir além: “até 2040-2050, quiçá tenhamos necessidade de introduzir variedades que atualmente não são cultivadas em Bordeaux para ter uma paleta de variedades que amadureçam no período ideal para fazer grandes vinhos”, estima van Leeuwen.

Vinhedos de Bordeaux se preparam para os efeitos do aquecimento global

Vinhedos de Bordeaux se preparam para os efeitos do aquecimento global

Se estuda, entre outras, a futura entrada da uva tinta cao, variedade portuguesa utilizada hoje nos vinhos do Porto, indica Kees van Leeuwen, porque o “clima atlântico da região se parecerá ao de Bordeaux em 30 ou 40 anos, com dois ou três graus a mais”.

Muitos viticultores bordeleses reivindicam a possibilidade de fazer experimentos dentro da denominação de origem, em 1% ou 2% da composição.

“O gosto do vinho não se modificará com a alteração de 1% nas variedades e nós, em contrapartida, aprenderemos (…) coloquemos em prática novas técnicas para estarmos preparados, dentro de dez anos, para lançá-las de maneira oficial”, afirma Jérémy Ducourt, enólogo das bodegas Ducourt, que acabou de começar os testes.

Essa questão não preocupa somente a França. Por isso, há um programa de pesquisa financiado pela União Europeia, Adviclim, cujo objetivo é avaliar a influência da mudança climática nas vinhas e estudar possibilidades de adaptação.