Palestinos mantêm vinícola ‘de resistência’ em meio ao conflito
Em um vale entre Belém e Jerusalém, palestinos estão usando uvas nativas para produzir vinhos finos no local que já abrigou uma igreja. E depois de décadas focando as vendas locais, a vinícola e monastério Cremisan tem oferecido aos visitantes uma experiência única, que combina vinho e história, destacando um alcance pacífico entre a agitação local.
Monges italianos começaram e fazer vinho na Cremisan em 1885, e evidências arqueológicas mostram que a bebida já era produzida na região milhares de anos atrás. O monastério atual foi construído no terreno de uma igreja bizantina do século 7o.
Por mais de um século, a Cremisan oferecia, sem alarde, vinhos de preços modestos a cristãos e judeus da região. Mas as vendas caíram depois das insurreições palestinas em 2000, a repressão israelense e a doença do monge que por décadas esteve no comando da produção da bebida. Por um tempo, o futuro da vinícola pareceu em xeque.
Cerca de dez anos atrás, “havia muitos problemas, certamente”, diz Della Shenton, responsável pela distribuição do Cremisan no Reino Unido. Mas as coisas começaram a melhorar em 2008, quando Riccardo Cotarella, um dos mais respeitados enólogos italianos fez um compromisso de longo prazo para ajudar a marca.
Cotarella focou nas únicas uvas locais –as brancas hamdani e jandali– no lugar da chardonnay, e no vinho tinto feito com a baladi asmar, não merlot.
“Agora vemos uma diferença tremenda”, diz Shenton. “Vemos uma enorme melhora na qualidade”. No ano passado, o famoso restaurante londrino Ottolenghi –cujos donos são israelenses e palestinos– escolheu o Star of Bethlehem da Cremisan, feito com um blend de hamdani e jandali, como seu vinho do mês. O mesmo rótulo rendeu elogios de Jancis Robinson, autor de “The Oxford Companion to Wine”.
Em uma tarde no meio de setembro, um ônibus turístico com visitantes ingleses chegou à Cremisan, e alguns noruegueses chegaram de táxi. Todos foram recebidos por três cristãos palestinos que trabalham para preservar a histórica cultura vinícola, que emprega muitos locais.
Um dos visitantes ingleses ficou impressionado. “É suave e seco, um vinho de qualidade, surpreendentemente bom”, disse Andrew Strachan.
Uma chave do plano de longo prazo da Cremisan foi produzir pensando em palestinos. O enólogo Laith Kokaly, 29, da comunidade vizinha de Beit Jala, diz que seu avô fazia vinho em casa, e que muitos cristãos locais têm uma herança similar.
Fadi Batarseh, 24, de Jerusalém oriental, é um dos especialistas da Cremisan, e outro jovem de Belém tem ajudado com o marketing. Kokaly e Batarseh passaram, cada um, três anos na Itália estudando a produção de vinhos com o apoio de Cotarella.
Quem visita a Cremisan também observa como a região era em tempos antigos. Terraços de pedra, vinhedos e oliveiras com centenas de anos revestem as colinas, e um dos jardins exibe prensas para azeite e vinho encontradas próximo dali.
A vinícola também desconstrói alguns preconceitos sobre o Oriente Médio. Palestinos cristãos e muçulmanos trabalham juntos nos vinhedos, e assim o fizeram por décadas, e o funcionário mais antigo do local é muçulmano (ele não bebe). Os lucros da empresa ajudam a financiar programas para órfãos e jovens da região.
Mas a política da região também teve efeitos. Grupos de igrejas de todo mundo se opuseram a um plano de Israel de expandir uma barreira ao longo do vale, dizendo que isso forçaria a retirada de 58 famílias das terras ancestrais de suas famílias.
Depois de anos de disputa, o caso foi levado à Suprema Corte israelense, e a construção do muro foi iniciada em agosto. Israel diz que ele é necessário por motivos de segurança.
Os trabalhadores da vinícola buscam uma solução pacífica. A empresa tem agora um distribuidor nos EUA pela primeira vez, uma loja de lembranças e uma nova página no Facebook.